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2010/07/14

A Internet e os estudantes

Na última actividade da unidade curricular de ESR, do mestrado de Pedagogia em Elearning da Universidade Aberta, redigi um ensaio sobre a utilização dos "browsers" e das bibliotecas digitais na pesquisa científica dos estudantes.

Convido-vos a deixarem os vossos comentários ou sugestões.

Podem ler a versão integral abaixo (alojada também no Scribd):

Utilização dos "browsers" e das bibliotecas digitais na pesquisa científica dos alunos

2010/06/04

Recensão crítica de vídeos de Michael Wesch

Numa actividade da UC de Educação e Sociedade em Rede do Mestrado em Pedagogia do Elearning da Universidade Aberta, foi solicitado que comentasse alguns vídeos de Michael Wesch (Professor de Antropologia Cultural na Universidade de Kansas, nos EUA - email: mwesch@ksu.edu), disponíveis neste site.

Escrevi o texto que se segue e aguardo as vossas sugestões e comentários:

O trabalho de investigação de Michael Wesch demonstra muito bem como o movimento em rede, proporcionado com o advento da Internet, está a mudar o ensino-aprendizagem dos nossos dias. O próprio Wesch é um agente pioneiro dessa mudança, enquanto educador, ao considerar ser mais importante ajudar os estudantes a colocar questões do que querer continuar o papel convencional do professor: aquele que não põe os estudantes à procura das perguntas...

Quando acontecerá nos estabelecimentos de ensino espalhados por todo o planeta aquilo que se observa na Universidade do Estado de Kansas (vídeo “Students Helping Students”)? O que terá motivado àqueles estudantes para terem vontade em ajudar os colegas? Este comportamento parece ser uma novidade para nós, mas não é tanto assim para os estudantes que frequentam aquela universidade. E o que é novo? Por exemplo, vemos um estudante gritar por ajuda e, rapidamente, aparece uma pequena multidão para ajudar uma condutora a estacionar o seu carro. Tão depressa se formou o grupo, como se desfez depois. E a condutora não mostrou nenhuma surpresa perante este “fenómeno”.

Naquela comunidade, esta atitude parece normal. Mas estes estudantes tê-la-ão apre(e)ndido da parte dos seus professores? Parece que nesta universidade a construção do conhecimento é, fundamentalmente, feita pela comunidade estudantil. A visão dos estudantes afinal está a mudar, questão essa que é tratada noutro vídeo (“A Vision of Students Today”). O que se mantém dos tempos idos nesta universidade são as salas de aula, onde estão dispostas filas de cadeiras viradas para um palco onde se coloca o professor como figura central (e única). Os pensamentos e preocupações dos alunos não são escritos no quadro e sim nas costas das cadeiras e na parede ao fundo da sala. Isso significa que não há diálogo entre os estudantes e o professor?

O que interessa a Wesch são, afinal, essas reflexões dos estudantes: “What are they learning seating here?”. Por isso, temos aqui um pioneiro que promove a mudança de um paradigma educativo. Este educador não pretende ser a autoridade que entra na sala para transmitir informação de qualidade e sim ser aquele que precisa de conhecer as preocupações e pensamentos dos seus alunos para preparar as aulas. Entende assim que a construção dos novos conhecimentos tem de ser feita com os alunos, por mais numerosa que seja a turma.

Este vídeo traz-nos, de forma transparente e pública, o feedback dos alunos. Uma aluna afirma que vai ler 8 livros, 2300 páginas online e 1281 perfis no Facebook este ano - e pensamos que importância terão esses livros e informação na sua aprendizagem universitária. Outra aluna esclarece que completou 49% das leituras definidas para si. Outra aluna ainda confessa que só 26% do que lê e estuda será relevante para a sua vida. Mas muitos outros decidem falar de situações pessoais que acontecem fora da sala de aula. Esperemos que Wesch não tenha grande dificuldade em planificar as aulas para estes estudantes, depois de conhecer estas reacções…

Porém, é isso que acaba por fazer na sua prática lectiva, sendo um educador com preocupações sociais para a educação, como se pode verificar no vídeo “The Machine is (Changing) Us: Youtube and the Plitics of Authenticity”. Uma das ideias que desenvolve relaciona-se com a informação criada em rede ("networked information environment") enquanto modalidade inovadora de construção dos conhecimentos. Na sua opinião, as novas tecnologias e os vários serviços online estão a permitir que as pessoas se juntem para construírem estes saberes de qualidade que podem rivalizar com os conteúdos elaborados pelos especialistas, a quem é reconhecida autoridade científica. O mundo em conjunto discute essa informação, participa em rede. É um bom exemplo para mostrar como a educação precisa de ter uma função social.

Wesch propõe, aliás, que essas novas tecnologias sejam trazidas para a sala de aula. Certamente que não está a falar em partilhar fotos ou enviar mensagens através do Facebook , MySpace ou Twitter. Essa ideia tem de desaparecer da mente dos professores que vêem apenas esses aspectos e não outras funcionalidades educativas das ferramentas e serviços Web2.0. Relembrando a teoria de Postman (“Media ecology”), entenda-se que “media are not just tools”, “media are not just means of communication”, porque “media mediate our conversations” e, por isso, os novos pensamentos mediados pelas novas tecnologias estão na raiz da mudança da nossa cultura. É incontornável a educação relacionar-se com esta cultura.

É importante perceber ainda que, sendo utilizadores das novas tecnologias, os estudantes procuram dar novos significados à informação que encontram e constroem no cibermundo. Portanto, este mundo virtual é também o seu espaço de aprendizagem. Segundo Wesch, os estabelecimentos de ensino têm não só de acolher esses novos significados, como também lhes dar a relevância que só a educação sabe fazer.

Por fim, reconhecer o papel central que os estudantes têm na formação dos novos saberes, enquanto agentes da sociedade em rede, será uma forma de integrar as consequências do impacto da Internet na educação. Só assim se pode recuperar a “antiga dimensão comunitária da aprendizagem”.

2010/04/26

Sobre a revolução tecnológica e o ensino online

Numa actividade de grupo realizada no âmbito da u.c. Educação e Sociedade em Rede do mestrado em Pedagogia do E-Learning da www.univ-ab.pt, foi desenvolvido um debate que serviu de palco para a análise e o estudo das obras de Paul Virilio (A Inércia Polar) e J. Baudrillard (Simulacros e Simulação).

Esta estratégia foi útil e eficaz para a interpretação do pensamento dos referidos autores. Relativamente a Baudrillard, destacaria o conceito de “simulacro”, em que é estabelecido um confronto entre o virtual (mundo artificial criado pelas novas tecnologias da comunicação e os media) e o real. A expansão do virtual acontece em prejuízo do real, que se esvazia. Sabemos que a comunicação foi um elemento decisivo para o desenvolvimento da sociedade moderna (e, claro, da contemporânea), mas é interessante observar que a informação é criadora dessa comunicação, é produtora de sentido.

No entanto, Baudrillard vem dizer que a informação vem dissolver esse sentido, não havendo um aumento de inovação mas sim de entropia social total. O reflexo da sua crítica em relação à era actual (Internet) é perceber que o virtual, devido ao aperfeiçoamento tecnológico, potenciou a natureza artificial, simulacional (parece real mas não é), hiper-real (mais “real” do que o real) do processo comunicacional (“esvaziamento” da interactividade).

Virílio também questiona os fenómenos da realidade quotidiana, como uma transcendência da presença imediata. A percepção do “aqui e agora” alteraram-se e experimenta-se a vida de todos os dias (as relações e comunicação) em graus diferentes de aproximação e distância, espacial (que vai além da significação de território) e temporalmente. Graças às novas tecnologias de comunicação, a experiência da realidade é compartilhada, estamos em relação ao outro da mesma maneira que ele está em relação a nós. Partilhamos, juntos, de uma mesma experiência espaço-temporal, só que a perspectiva tradicional sobre estes conceitos mudou. Como afirma Castells, é “a transformação da nossa cultura material pelos mecanismos de um novo paradigma tecnológico que se organiza em torno da tecnologia da informação”. (Castells, 1999)

Neste novo paradigma, a informação passa a ser matéria-prima fundamental e as relações deixam de ser territorializadas para serem mais fragmentadas. Historicamente, os nossos comportamentos relacionavam-se com os processos de urbanização da cidade, necessitavam de um lugar fixo e de continuidade para o seu desempenho. Hoje, a informação, sendo uma matéria-prima muito mais flexível e expressando-se nas mais diversas materialidades, necessita muito pouco de um lugar preciso.

Transferindo esta nova prerrogativa para a lógica de redes, podemos identificar uma clara tendência à valorização do espaço das redes em detrimento do espaço territorial característico da sociedade urbanizada (ver o pensamento de Castells desenvolvido em A Sociedade em Rede. A Era da Informação: Economia, Sociedade e Cultura).

Quanto à relação entre o indivíduo e o mundo envolvente (realidade), mediada pelas tecnologias da comunicação (ex.: Internet e email), Virilio apresenta o conceito de "inércia". Já não é importante perceber o que é o "hiper-real" (Baudrillard) e sim identificar os efeitos provocados pela técnica, a maneira como veio dominar o nosso dia-a-dia, os nossos comportamentos e relações nos países em que a comunicação ocorre tecnologicamente (interactividade).

Muitos de nós, interagimos num “cibermundo” (conceito de Virilio) em que o tempo real (o nosso quotidiano) deixou de estar na base da História e a omnipresença da informação (“the information bomb”) tem um ritmo maior (velocidade) proporcionado pelas auto-estradas virtuais (Internet) e pelo desenvolvimento das TIC. E parece que isso nos leva à “inércia”...

Portanto, o espaço das redes permite, com mais velocidade, o desenvolvimento das relações entre as pessoas, tribos e países (que utilizam as novas tecnologias de comunicação). Há uma nova realidade da cultura do digital.

2010/04/18

Baudrillard - The Murder of the Real

Jean Baudrillard é considerado um dos principais teóricos da pós-modernidade e um dos autores que melhor diagnosticaram o mal-estar contemporâneo. Este filósofo e sociólogo Francês foi um dos fundadores da revista "Utopie", além de ter publicado mais de 50 livros ao longo de sua vida.
Estudou alemão na Sorbonne, tendo traduzido para o Francês obras de Karl Marx e Bertolt Brecht. Leccionou sociologia na Universidade de Nanterre e a sua tese "O sistema dos Objetos", foi publicada em 1968.

A obra era voltada para um estudo semiológico do consumo, assim como os seus dois livros seguintes, "A Sociedade de Consumo" (1970) e "Por uma Crítica da Política Económica do Signo" (1972). Outras obras que merecem destaque são: "À Sombra das Maiorias Silenciosas" (1978), "Simulacros e Simulações" (1981), "América" (1986), "A Troca Impossível" (1999) e "O Lúdico e o Policial" (2000).

Pensador polémico, Baudrillard desenvolveu uma série de teorias sobre os impactos da comunicação e dos media na sociedade e na cultura contemporâneas. A sua filosofia baseia-se no conceito de virtualidade do mundo aparente, refutando o pensamento científico tradicional. Criticava a sociedade de consumo e os meios de comunicação e considerava as massas como cúmplices dessa situação.

Estão disponíveis no Youtube excertos da entrevista sobre "The Murder of the Real", cuja primeira parte coloco já neste blogue.


Cybermonde, la politique du pire - Paul Virilio

Paul Virilio, arquitecto e urbanista, é um dos mais originais analistas do mundo técnico contemporâneo, desde que descobriu a associação que existe entre a produção, a velocidade e a guerra. Nascido em Paris em 1932, de pai italiano, refugiado comunista, e mãe inglesa, Virilio estudou durante anos a fotografia e o espaço, escrevendo esparçamente sobre as cidades e arquitectura contemporânea.

O seu livro "Cybermonde" é organizado em quatro partes principais. A primeira, intitulada “Da revolução dos transportes a revolução das transmissões”, Virilio analisa o curto período que vai da revolução industrial no século XIX à era da informática. Para ele, a questão fundamental é da relação entre velocidade e poder político, em que contesta a ideia de que as tecnologias do tempo real podem contribuir para o aperfeiçoamento da democracia.

Na segunda parte, “ A parte do mundo ou como recuperar o próprio corpo”, Virilio interroga-se sobre a cidade, os dispositivos que recriam o nosso mundo habitado e o nosso próprio corpo, exactamente no limite entre o espaço público e o privado.

A terceira parte, intitulada “Quaisquer boas razões para entrar na resistência”, Virilio debruça-se sobre o que chama de acidente geral, o milagre da inversão e a reversibilidade dos objectos.

A última parte, intitulada “Da guerra provável a paisagem reconquistada”, Virilio explora o campo da guerra em tempo real no espaço dos satélites. Através da pergunta, “o que houve com a guerra?”, coloca-nos a questão de que se o desastre real não está diante de nós, é tempo de reconquistar o planeta e de inventar uma nova paisagem.

A obra referida pode ser acedida através deste link. Boa leitura!

2010/04/12

Noção de cibercultura de Pierre Lévy

No âmbito da actividade 2 da unidade de crédito Educação e Sociedade em Rede, do Mestrado em Pedagogia do E-Learning da Universidade Aberta, pretendo comentar a noção de "cibercultura" que o filósofo Pierre Lévy (Tunísia, 1956) aborda no seu livro Cibercultura.

As perguntas colocadas pelo Prof. António Teixeira, docente da u.c. acima referida (vide página principal do curso na Moodle), focam os pontos de tensão existentes entre o contexto contemporâneo – “mutação contemporânea da relação com o saber” (Lévy, pág. 157) – e a nossa liberdade enquanto cidadãos. Que responsabilidade ainda temos hoje na construção do património cultural dos cinco continentes? Qual é o conhecimento emergente e a nova vivência humana na era da imersão interactiva?


Uma das preocupações do filósofo francês Pierre Lévy, revelada na sua obra Cibercultura, é o “dilúvio informativo” que move a cultura de massa, actualmente utilizadora frequente da Internet. A partir de agora, cada indivíduo ocupa uma posição singular e evolutiva numa sociedade cujos conhecimentos emergentes são abertos, contínuos e não lineares e a cibercultura, enquanto universal sem totalidade – “A cada minuto que passa, novas pessoas acedem à Internet, novos computadores são interconectados, novas informações são introduzidas na rede. Quanto mais o ciberespaço se amplia, mais este se torna “universal”, e menos o mundo informacional se torna totalizável”. (Lévy, pág. 111.) –, transforma as condições de vida em sociedade. Mas será que os indivíduos podem controlar ou seleccionar as informações recebidas, terão alguma acção sobre a emissão dessa informação?

Nesta obra, Lévy esclarece, desde logo, os termos "ciberespaço" e "cibercultura". "O ciberespaço (que também chamo de rede) é o novo meio de comunicação que surge da interconexão mundial dos computadores. O termo especifica não apenas a infra-estrutura material da comunicação digital, mas também o universo oceânico de informações que ela abriga, assim como os seres humanos que navegam e alimentam esse universo. Quanto ao neologismo “cibercultura”, especifica aqui o conjunto de técnicas (materiais e intelectuais), de práticas, de atitudes, de modos de pensamento e de valores que se desenvolvem juntamente com o crescimento do ciberespaço." (pág. 17).

É curioso verificar que o antigo “receptor” passa a produzir e a emitir a sua própria informação, de forma livre e planetária. As práticas comunicacionais da Internet mostram que as pessoas estão a produzir vídeos, fotos, música, escrevem em blogs, criam fóruns e comunidades, desenvolvem softwares e ferramentas da Web 2.0, trocam música, etc. Aliás, um dos fenómenos verificados e estudados por Castells (2007), quanto ao carácter da sociedade contemporânea, é a importância crescente que esta dá à informação e ao conhecimento (a sociedade do conhecimento enquanto novo paradigma tecnológico). Passámos da era industrial para a era informacional e esta mudança histórica deveu-se ao advento das novas tecnologias de comunicação e informação. Embora afirme que as redes não são uma nova forma de organização social, estas tornaram-se uma característica chave na morfologia digital, porque “são estruturas abertas, capazes de se expandir de forma ilimitada, integrando novos nós(*) desde que consigam comunicar dentro da rede, nomeadamente, desde que partilhem os mesmos códigos de comunicação (por exemplo, valores ou objectivos de desempenho).” (Castells, pág. 607). Porém, dever-se-á confundir este fenómeno social com excesso de informação?

Na cultura pós-massiva estão a ser construídos novos modelos de conhecimento e, no âmbito da cibercultura, é possível identificar novos actos quotidianos: produzir, colocar em circulação e disponibilizar livremente cada vez mais informação. Para dar exemplos concretos, podemos dizer que blogs e podcasts tornaram-se novas formas de emissão textual, imagética e sonora pelas quais cada utilizador faz o seu próprio veículo. Os blogs são hoje um fenómeno mundial de emissão livre de informação sobre diversos formatos (pessoais, jornalísticos, empresariais, académicos, comunitários...). Os podcasts, por sua vez, são formas livres de emissão sonora pelas quais cada utilizador pode criar o seu próprio programa e disseminá-lo pela rede.


A verdade é que a revolução da cibercultura implica novos sentidos da tecnologia – que ideias novas resultam deste objecto inventado para ser utilizado, também, como meio de comunicação? –, uma vez que esta se tornou no novo ambiente material para o Homem, tendo um impacto considerável na sua vida, com signos e imagens por meio dos quais ele atribui sentido ao mundo. Não podemos deixar de pensar que esta tecnologia é produto social e cultural e com a revolução da informática, voltamos ao velho sonho de um mundo da comunicação livre, sem entraves, democrático, global, porque, como afirma Lemos (2008), “no fim do século XX, com o surgimento dos media “pós-massivos” (eletrónico-digitais), a relação com o espaço passou por transformações a partir da liberação da emissão e da conexão generalizada por redes online”. O novo paradigma traduz o mundo em dados binários, para posterior processamento em máquinas informacionais, os computadores. A dominação agora é digital e, como afirma Lévy, “o ciberespaço suporta tecnologias intelectuais que amplificam, exteriorizam e modificam numerosas funções cognitivas humanas: memória (bancos de dados, hiperdocumentos, arquivos digitais de todos os tipos(, imaginação (simulações), percepção (sensores digitais, telepresença, realidades virtuais), raciocínios (inteligência artificial, modelização de fenómenos complexos.” (pág. 157).

Mas resta perguntar para onde essa revolução nos levará. Não basta emitir sem se conectar, compartilhar, por exemplo, através da Internet. A internet traz-nos a possibilidade de actuarmos em rede, onde cada um de nós é um “nó”. Não há centro, a acção de cada nó é como um microcosmos dentro do cosmos, que pode influenciar e reconfigurar toda a rede. É preciso emitir em rede, entrar em conexão com outros, produzir sinergias, trocar informação, fazê-la circular, distribuí-la. “A emergência do ciberespaço acompanha, traduz e favorece uma evolução geral da civilização. Uma técnica é produzida dentro de uma cultura e uma sociedade encontra-se condicionada [e não determinada] por suas técnicas." (Lévy, pág.25). São estas técnicas que abrem algumas possibilidades, algumas opções culturais e sociais (a técnica condiciona), sem as quais o pensamento contemporâneo seria diferente. Esse segundo princípio, a conexão em rede online, parece ser mesmo uma característica fundamental da cibercultura, enquanto forma de transmissão. Como diz Lévy, “a sua principal operação é a de conectar no espaço, de construir e de estender os rizomas do sentido”. (pág. 249). Desde o início, a Internet caracteriza-se como lugar de conexão e partilha. Foi assim que surgiram as primeiras listas de discussão, as trocas de email, os chats...

Gostava ainda de destacar três exemplos referidos no capítulo dedicado ao movimento social da cibercultura (p.123-132), em que Pierre Lévy recorda que a emergência do ciberespaço é fruto de um verdadeiro movimento social da juventude. São desenvolvidos três princípios que sustentam este movimento social da cibercultura: a interconexão (p. 127), as comunidades virtuais (p. 127-130) e a inteligência colectiva (p. 130-132).

A interconexão transfere para uma existência diferente o próprio ciberespaço: “Os veículos de informação não estariam mais no espaço mas (…) todo o espaço se tornaria um canal interactivo.” (pág. 127). Constitui-se, assim, um mundo físico para suportar a comunicação universal que rejeita o isolamento. Aquilo que possamos imaginar como máquinas de comunicação passarão, em breve, a estar interligadas na Internet e este novo ambiente – o ciberespaço obedece ao “imperativo categórigo da cibercultura” (pág. 127) – proporcionará um segundo tipo de conexão, neste caso, das ideias que podem, por sua vez, ser agrupadas em tribos ou em comunidades virtuais. “A interconexão constitui a humanidade em um contínuo sem fronteiras”, afirma Lévy, porque a “cibercultura aponta para uma civilização da telepresença generalizada.” (pág. 127).

Como as comunidades virtuais processam a cooperação (afinidade de interesses e conhecimentos) através da troca de informações que a consolidam enquanto grupo, independente de proximidades geográficas, elas apoiam-se partindo da interconexão.

As relações sociais que acontecem nessas comunidades não impedem que se criem emoções entre os participantes do ciberespaço, embora “a comunicação por meio de redes de computadores [não] substitua (…) os encontros físicos.” (pág. 128). Aliás, “afinidades, alianças intelectuais e até mesmo amizades podem desenvolver-se nos grupos de discussão [online].” (pág. 128).

Informação e sentimento estão presentes numa comunidade virtual em que as tomadas de posição permitem, por exemplo, as personalidades dos intervenientes. Este é um bom argumento para concluir que esta comunidade é bem real, sendo um colectivo que troca informações e constrói uma opinião pública, gerando um movimento de ideias e, portanto, de intervenção social – não há espaço para uma irresponsabilidade anónima, todos estão atentos ao que é transmitido pelo outro que está do lado de lá do ecrã e noutro ponto do planeta -, dentro mesmo do ciberespaço e na cibercultura. E este fenómeno de comunicação colectiva (processos abertos de cooperação, aprendizagem cooperativa) “é a expressão da aspiração de construção de um laço social, que não seria fundado nem sobre links territoriais, nem sobre relações institucionais e de poder, mas sobre a reunião em torno de centros de interesses comuns.” (pág. 130).

O terceiro princípio da cibercultura, base também do movimento social acima referido, é a inteligência colectiva. Pierre Lévy acredita que as redes de comunicação e as memórias digitais irão em breve suportar as representações e mensagens que circulam pelo planeta e defende a hipótese de que é possível, e até desejável, produzir dispositivos que encarnem ou materializem efectivamente a inteligência colectiva.

Este filósofo apresenta a inteligência colectiva como um novo tipo de pensamento sustentado por conexões sociais que são viáveis através da utilização das redes abertas da Internet. Aceita o pressuposto que “o melhor uso que podemos fazer do ciberespaço é colocar em sinergia os saberes, as imaginações, as energias espirituais daqueles que estão conectados a ele.” (pág. 131) Acredita que as sociedades tendem a organizar-se cada vez menos em padrões formais e a valorizarem cada vez mais a aprendizagem cooperativa e colectiva como nova forma de organização.

Trocar informações mais verticalizadas dentro de centros de interesse significa criar uma rede especializada, onde a circulação da informação (através da interconexão) acontece de forma mais rápida e centrada (por meio das comunidades virtuais), um colectivo inteligente que se apropia, mais facilmente, das alterações técnicas que reduzem “os efeitos de exclusão ou de destruição humana resultantes da aceleração do movimento técnico-social.” (pág. 29)

Fora da interconexão e de uma comunidade virtual, somos, cada um de nós, um elemento contribuinte do inconsciente colectivo – um movimento etéreo, invisível, intuitivo e não cerebral. No ciberespaço, o nosso colectivo é (mais) consciente, inteligente e mais visível e, enquanto suporte da inteligência colectiva, o ciberespaço é uma das condições principais do seu próprio desenvolvimento. Porém, este não é determinado automaticamente, trata-se apenas de um ambiente propício à criação dessa inteligência.

Pierre Lévy conclui que a emergência do ciberespaço, da cibercultura é despoletada pela abertura para a alteridade que movimenta as comunidades virtuais, a inteligência colectiva e a interconexão. Estes princípios, no global, são a essência e condição da cibercultura.



(*) “A rede é um conjunto de nós interligados. Um nó é o ponto no qual uma curva se intercepta. O nó a que nos referimos depende do tipo de redes em causa”. (Castells, pág. 606).


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REFERÊNCIAS

CASTELLS, Manuel (2007). "A sociedade em rede: A era da informação: Economia, sociedade e cultura" (3ª ed., Vol. 1). (A. Lemos, C. Lorga, & T. Soares, Trads.) Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian.

LEMOS, André (2007). "Ciberespaço e tecnologias móveis: processos de territorialização e desterritorialização na cibercultura". In: MÉDOLA, Ana Silvia; ARAÚJO, Denise; BRUNO, Fernanda (Org.). “Imagem, visibilidade e cultura midiática”. Porto Alegre: Sulina, p. 277-293. Disponível em www.andrelemos.info/artigos/territorio.pdf , acedido em Abril de 2010.

LEMOS, André (2008). "Mídia locativa e território informacional". SANTAELLA, Lucia;
ARANTES, Priscila (Org.). Estéticas tecnológicas: novos modos de sentir. São Paulo: EDUC. Disponível em www.andrelemos.info/artigos/midia_locativa.pdf, acedido em Abril de 2010.

LÉVY, Pierre (1994). "Inteligencia colectiva: por una antropologia del ciberespacio". Disponível em http://www.4shared.com/document/RqH5viQd/Levyinteligencia_colectiva.html?err=no-sess, acedido em Abril de 2010.

LÉVY, Pierre (1999). "Cibercultura", Editora 34, S. Paulo.

TRIVINHO, Eugênio (2003). "Cibercultura, sociossemiose e morte. Sobrevivência em tempos de terror dromocrático", GT Sociedade Tecnológica, COMPÓS. Disponível em http://www.comunica.unisinos.br/tics/textos/2003/GT12TB2.PDF, acedido em Abril de 2010.

2010/04/05

Cibercultura - Pierre Lévy

Na unidade de crédito Educação e Sociedade em Rede do mestrado de Pedagogia em Elearning da http://www.univ-ab.pt/, foi proposta a leitura do livro "Cibercultura" de Pierre Lévy. Trata-se de um filósofo Francês (Tunísia, 1956) que se ocupa em estudar as interacções entre a Internet e a sociedade. Uma das intenções nesta obra é tentar esclarecer aquilo que acontece no ciberespaço e o autor faz um apelo sincero: "Peço apenas que permaneçamos abertos, benevolentes, receptivos em relação à novidade. Que tentemos compreedê-la, pois a verdadeira questão não é ser contra ou a favor, mas sim reconhecer as mudanças qualitativas na ecologia dos signos, o ambiente inédito que resulta da extensão das novas redes de comunicação para a vida social e cultural".

Cibercultura surgiu da relação entre a tecnologia e a modernidade com o propósito de a Humanidade conhecer o mundo numa nova perspectiva e transformá-lo. As práticas, atitudes, modos de pensamento e valores estão, cada vez mais, condicionados pelo novo espaço de comunicação que surge da interconexão mundial dos computadores: o ciberespaço. "A cibercultura é um termo utilizado na definição dos agenciamentos sociais das comunidades no espaço eletrônico virtual. Estas comunidades estão ampliando e popularizando a utilização da Internet e outras tecnologias de comunicação, possibilitando assim maior aproximação entre as pessoas de todo o mundo." (In Wikipedia, acedido em 2010-03-05)

No seu livro, este filósofo esclarece os termos "ciberespaço" e "cibercultura".
"O ciberespaço (que também chamo de rede) é o novo meio de comunicação que surge da interconexão mundial dos computadores. O termo especifica não apenas a infra-estrutura material da comunicação digital, mas também o universo oceânico de informações que ela abriga, assim como os seres humanos que navegam e alimentam esse universo. Quanto ao neologismo cibercultura, especifica aqui o conjunto de técnicas (materiais e intelectuais), de práticas, de atitudes, de modos de pensamento e de valores que se desenvolvem juntamente com o crescimento do ciberespaço."

Aqui está a obra de Pierre Lévy, disponível em Google Books: